Por Herculano Domício, edição especial 25.12.2010 - Jornal Cruzeiro do Vale

Por Herculano Domício, edição especial 25.12.2010

25/12/2010

Hoje é Dia de Natal. Não vou escrever sobre as mazelas políticas e administrativas. Por isso, trago aos meus leitores e leitoras algo especial que li há pouco na Folha de S.Paulo. É a realidade das pequenas comunidades catarinenses onde o Natal é um encontro familiar ou comunitário forte.

Todavia, há mudanças. Profundas. É a realidade social mostrada pelo recente censo; são as mudanças de comportamento e que refletem nas áreas urbanas como Gaspar. Para conhecimento e reflexão de vocês da boa e interessante reportagem de Felipe Bächtold.

Falta de mulher no campo deixa tarefa de casa para homem

Morador de comunidade rural tem de assumir trabalho doméstico em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul


Cada vez mais as mulheres migram sozinhas para as cidades e trabalham no ramo de serviços

FELIPE BÄCHTOLD
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA

Não houve noivos no ano passado entre os 2.526 habitantes de Bom Jesus, a 550 km de Florianópolis. Os moradores dizem que nem perceberam o fato, registrado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

 
Mas a falta de casamentos e nascimentos e uma profusão de homens solteiros -que cuidam ao mesmo tempo da roça e dos afazeres domésticos- já são cada vez mais comuns em comunidades rurais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
O motivo é que as dificuldades da vida no campo afastam cada vez mais os jovens, em especial mulheres, que migram sozinhas para as cidades para trabalhar no ramo de serviços. O resultado é que os homens acabam ficando para cuidar da propriedade herdada da família.


A vida de homens solteiros no interior de Santa Catarina virou até filme. O documentário "Celibato no Campo", dos cineastas Ilka Goldschmidt e Cassemiro Vitorino, foi lançado no mês passado e deve ser exibido em mostras de cinema e cineclubes.


Os catarinenses têm a maior sobra de homens solteiros no país, diz o IBGE. Santa Catarina tem 15 cidades que não tiveram casamentos em 2009, quase todas no oeste.

 
Em propriedades familiares sem funcionários, onde a própria família cuida das plantações ou do gado, o trabalho braçal e a falta de períodos de descanso, como férias, desestimulam a permanência dos mais jovens. Também pesam a dependência financeira dos pais e a falta de alternativas de lazer.


Cansada de lidar com essa situação na adolescência, Enelsi Mariani, 37, acabou deixando o campo e a propriedade dos pais. Ao se casar, foi para a cidade, onde hoje dirige um sindicato de agricultores de Seara (527 km de Florianópolis).
"Com 15 anos, eu tinha que lavrar, roçar, carregar cestos, saco de ração. Trabalhava pesado, carregava peso."


Esse êxodo também tem relação, relatam moradores e especialistas, com o aumento da escolaridade da população. Mais jovens concluem o ensino médio e chegam à faculdade, o que desencoraja um retorno ao campo. Outro fator é a falta de espaço para mulheres na administração das propriedades.

AS ÚNICAS SOLTEIRAS
As únicas moças na Linha Narciso, comunidade rural de Bom Jesus, são as irmãs Aline, 17, e Adelita Malinski, 19. Adelita trabalha na cidade e namora. Aline é solteira e começará a faculdade no ano que vem.


Apesar da necessidade de se deslocar todo dia para estudar, Aline diz gostar de morar na propriedade rural do pai. Mas a própria mãe, Janete Malinski, 39, estimula as filhas a saírem do campo. "[Aqui] é mais sofrido", diz.

 
Vizinho de Janete, Ildo Gilmar dos Santos, 34, mora com os pais e cria gado. Solteiro, com uma renda líquida de R$ 1.400, lamenta o desinteresse dos jovens. "A mulherada hoje, o pouco que tem, vai mesmo embora. O homem fica mais ainda no interior do que a mulher. A mulher vai cuidar de criança, estudar. Tem mais chance de sair", diz. Santos já teve namorada, mas conta que as mulheres não se interessam pela roça.

 Nem mãe quer que as únicas moças da comunidade fiquem lá

As únicas moças na Linha Narciso, comunidade rural de Bom Jesus, são as irmãs Aline, 17, e Adelita Malinski, 19. Adelita trabalha na cidade e namora. Aline é solteira e começará a faculdade no ano que vem.


Apesar da necessidade de se deslocar todo dia para estudar, Aline diz gostar de morar na propriedade rural do pai. Mas a própria mãe, Janete Malinski, 39, estimula as filhas a saírem do campo. "[Aqui] é mais sofrido", diz Janete, que tem oito irmãos. Apenas ela vive na área rural.


Vizinho de Janete, Ildo Gilmar dos Santos, 34, mora com os pais e cria gado.Solteiro, com uma renda líquida de R$ 1.400, lamenta o desinteresse dos jovens."A mulherada hoje, o pouco que tem vai mesmo embora. O homem fica mais ainda no interior do que a mulher. A mulher vai cuidar de criança, estudar. Tem mais chance de sair", diz. Santos já teve namorada, mas conta que as mulheres não se interessam pela roça. "Se tiver que trabalhar na lavoura, ela não casa."


Outro jovem na comunidade é Eriverto Botan, 24, que mora com o pai, com quem cuida de 30 mil aves. A namorada mora em uma cidade próxima e só vai ao campo nos finais de semana. "Já morei na cidade. Não é ruim, mas é difícil sem ter uma profissão boa."

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