Por Thiago Moraes
Perder um dos membros mais importantes do corpo humano, a perna direita, não tem tirado a alegria de viver de Marcio Allegri, de 31 anos. Devido a um acidente de trânsito em 2007, o morador do bairro Figueira buscou ânimo no esporte, no caso o basquete para cadeirantes, para tocar a vida mantendo o que mais estimava antes do acidente: o ciclo de amizades duradouras.
Na base da alegria e da superação pura, encontrou-se no basquete, esporte que já amava desde os oito anos de idade, quando jogava nas ruas de Gaspar e também na Sociedade Gasparense. ?Sempre atuei na infância e adolescência como armador, hoje sou pivô?, conta.
As frenéticas corridas sentado nas cadeiras de rodas adaptadas durante os treinos remontam o Márcio juvenil, aquele menino que aprendeu a gostar de viver em meio a amizades no bairro Figueira. ?Desde 2008 pratico a modalidade. Fiquei um ano em casa sem fazer nada, somente jogando vídeo-game. Conheci o projeto (da Abludef) e a partir daí não larguei mais a bola de basquete. No início, chegava a utilizar transporte coletivo, mas atualmente tenho o meu carro adaptado. Procuro não perder um treinamento?, garante.
Volta por cima
Os colegas de Marcio também são exemplos de persistência e de superação aos acidentes da vida. Orcini Vieira, de 28 anos, frequenta há cinco anos os treinos. Morador do bairro Itoupavazinha, assim como o amigo Célio Sholemberg, 57 anos, o aprendizado com a convivência e saber administrar os direitos e deveres de cada um são os maiores legados deixados durante as seis horas semanais de treinos. ?É um aprendizado constante. Às vezes existe o atrito, mas a gente se entende. Melhoramos a autoestima e a condição física e a integração é positiva. Os tímidos ficam mais soltos com a alegria imposta entre a turma?, observa Célio. ?Estar aqui é uma libertação de nossos problemas?, complementa a praticante Maike Sommerfeld, de 49 anos.
Sem transporte, muitos atletas perdem a chance
O educador físico Maurício Pfiffer acompanha de perto o empenho dos 12 alunos do basquete para cadeirantes, oportunizado pela Abludef. ?Conheço de perto todas as dificuldades desses alunos e eles realmente se esforçam. É gratificante. Há seis anos leciono aulas de esporte para deficientes físicos e sempre vou para casa com alguma lição de vida. Muitos estavam em casa e recuperaram o prazer de ir à rua participando das aulas de basquete?, observa o professor.
O projeto da Abludef existe desde 2006, e os alunos são das cidades de Gaspar, Pomerode, Ibirama, Presidente Getúlio e Blumenau, com treinos às quintas e às sextas-feiras . ?Sou remunerado pela Abludef, mas ainda sentimos falta de não ter transporte para o deslocamento dos alunos. Se houvesse, facilitaria e ajudaria outros cidadãos a praticar o basquete para cadeirantes. O poder público poderia olhar mais para esta necessidade?, ressalta.
Com o espaço cedido pela Furb em um dos seus ginásios de esporte, as cadeiras adaptadas para a prática do basquete foram conseguidas no Instituto Gustavo Kuerten, IGK.
Regras são seguidas à risca
Praticado inicialmente por ex-soldados norte-americanos feridos da Segunda Guerra Mundial, o basquete em cadeira de rodas fez parte de todas as edições dos Jogos Paralímpicos. As mulheres passaram a disputar em 1968. No Brasil, o basquete em cadeira de rodas também tem forte presença na história do movimento paralímpico, sendo a primeira modalidade praticada aqui, a partir de 1958, introduzida por Sérgio Del Grande e Robson Sampaio.
As cadeiras de rodas utilizadas são adaptadas e padronizadas pelas regras da Federação Internacional de Basquete em Cadeira de Rodas, IWBF. O jogador deve quicar, arremessar ou passar a bola a cada dois toques dados na cadeira. As dimensões da quadra e a altura da cesta seguem o padrão do basquete olímpico.
?Ficamos dois anos praticando o esporte como recreação e depois iniciamos a disputa de campeonatos. Os times mais fortes, além do nosso, são de Joinville, Brusque, Balneário Camboriú e Florianópolis. Estamos disputando a Copa Brusque e o Catarinense?, frisa o professor Maurício Pfiffer.
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Na classificação funcional, os atletas são avaliados conforme o comprometimento físico-motor em uma escala de 1 a 4,5. Quanto maior a deficiência, menor a classe. A soma desses números na equipe de cinco pessoas não pode ultrapassar 14. São disputados quatro quartos de 10 minutos cada. Todas as normas são conferidas pelos árbitros no início da partida.
Esporte abre portas sem barreiras
É grande o número de pessoas com deficiência. Segundo o Censo 2010 realizado pelo IBGE, 23,9% dos brasileiros possuem algum grau de limitação física.
Só este número é maior que toda a população da Argentina (41 milhões de habitantes), Canadá (35 milhões), e quase o triplo do Chile (17 milhões) e Holanda (16 milhões). Considerando graus mais severos de deficiência, o índice é de 8,3%, aproximadamente 15 milhões de pessoas.
Com uma população tão ampla, torna-se mais fácil encontrar e recrutar potenciais paratletas de ponta no país. Da quantidade se extrai a qualidade.
Segundo a Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2013 havia 357,8 mil pessoas com deficiência com vínculo empregatício no país, sendo apenas 0,73% do total. Uma disparidade em relação aos números apresentados no tópico acima.
Com dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho, o esporte surge como única alternativa de carreira viável para muitos portadores de necessidades especiais.
Brusquense leva ouro no Parapan
Matheus Rheine, nadador de Brusque, levou o ouro na prova de 50 metros livres para deficientes visuais no Parapan de Toronto, no Canadá, em agosto. Matheus conseguiu também o novo recorde da prova, com 27,32 segundos.
O resultado nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto reafirmou uma tendência dos últimos anos: o Brasil se tornou uma potência paralímpica. Os motivos vão desde o investimento do Comitê Paralímpico Brasileiro até a exclusão sofrida pelos deficientes no mercado de trabalho, que lhe deixam o esporte como única alternativa de carreira.
Ainda há o patrocínio de um banco do governo federal a 13 modalidades. Além disso, boa parte dos paratletas que competem representando o Brasil é agraciada com recursos do Bolsa-Atleta.
Os números finais do Brasil nos Parapan-Americano de 2015 traduzem a performance de uma potência esportiva: a delegação chegou a 257 medalhas, sendo 109 de ouro, 74 de prata e outras 74 de bronze. Trata-se do melhor rendimento do Brasil na história do evento, superando o recorde anterior registrado nos jogos do Rio de Janeiro, em 2007, quando a equipe paralímpica conquistou 221 medalhas.
Para ter ideia do domínio brasileiro este ano, o segundo lugar no quadro geral, o Canadá, não chegou à metade das medalhas de ouro brasileiras, conseguiu apenas 50. Os americanos, em terceiro, chegaram a 40.
Edição: 1714
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